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Como nos ajuda a fé em tempos de pandemia?

Como alguém que se encontra perdido e vê diante de si vários caminhos possíveis, irei tentar responder a essa pergunta, indicando os caminhos que se mostram mais acertados e aqueles que são mais perigosos. O critério para considerar o que é acertado ou perigoso não surge de minha pura intuição, mas da observação acerca dos caminhos tomados em situações similares por personagens que são referências para nós nos textos bíblicos, na vida dos santos e, em primeira e última instância, em Jesus Cristo. Outro ponto que se faz necessário acrescentar a este ligeiro preâmbulo é de que a fé já pressupõe uma relação – um encontro – entre um indivíduo (criatura) e Deus (criador). A porca torce o rabo, como diriam os mineiros, na maneira como essa relação é vivida. Poderíamos nos perguntar: de nossa parte ou da parte de Deus? Sempre da nossa, que somos seres incompletos, em constante mudança, cheios de inseguranças e fragilidades. Isto porque Deus, em sua divina perfeição e munido de absoluta liberdade, sempre escolhe por nos amar e perdoar. Enfim, como nós temos relacionado com Ele? De que modo e por quais caminhos nossa fé nos tem levado? O povo da Aliança, como nos relata o Antigo Testamento, vai amadurecendo em sua maneira de se relacionar com Deus. Erram, arrependem-se, acertam, tornam a errar e, nessa dinâmica com um Deus que se vai revelando na e pela história, vão também aprendendo com seus erros. Uma das experiências mais traumáticas de toda a história do povo de Israel foi o exílio. Estavam longe da terra prometida, do templo, da cidade santa e, por tudo isso, sentiam-se também longe de Deus. E perguntavam-se: por que Deus permitiu que essa tragédia – o exílio – se abatesse sobre nós? A resposta a essa pergunta tão crucial foi desenvolvida sobretudo no livro do Deuteronômio e ecoa em vários outros livros bíblicos: “fomos punidos por causa de nossa desobediência e de nosso pecado”. Essa resposta, chamada de teologia da retribuição, foi fruto de uma fé ainda em vias de amadurecimento e de uma experiência dolorosa. Ao invés de contemplarem a Deus e o ouvirem, o povo preferiu olhar entre os seus e apontar culpados (na história bíblica, isso vai levar aos exageros de Esdras e ao endurecimento da Lei). Este é um caminho perigoso próprio de uma fé necessitada de maturação. Paralelo a isso, diante da gravíssima ameaça do coronavírus (Covid-19), muitos têm afirmado que essa doença seria um castigo divino para punir pecados e desvios morais. O rosto de Deus revelado plenamente na pessoa de Jesus Cristo não corrobora uma fé assim: é Ele quem nos ensina a dar a outra face (Mt 5, 38-52), é Ele quem acalma os discípulos que queriam fazer cair fogo sobre os samaritanos que não o acolheu (Lc 9, 51-56), é Ele quem, no ato de amor extremo da Cruz, não busca a punição de seus algozes, mas seu perdão (Lc 23, 24). Outro caminho próprio de uma fé ainda infantil seria o daqueles que esperam soluções mágicas para a pandemia ou nutrem uma incredulidade em relação à doença, fiando-se numa suposta confiança em Deus. Como isso se manifestaria? Tais comportamentos são observados em quem acredita que jamais a doença se transmitiria durante uma missa, por causa, por exemplo, da presença real de Jesus que impediria qualquer mal e por isso criticam a interrupção das celebrações públicas da missa. Ou ainda em quem compreende o Santíssimo Sacramento ou imagens da Virgem Maria não em seu valor e significados próprios, mas como ferramentas sobrenaturais que combateriam o vírus à medida que passeassem pelas ruas e tocassem as pessoas. Então, qual seria o caminho? Como a fé nos ajuda a passar por tudo isso? Primeiro, penso eu, inspirando em todos nós esperança. Isso ajuda a viver os sacrifícios do presente. Segundo, pela prática da oração que nos aproxima de Deus e, consequentemente, uns dos outros, ainda que, em nossas circunstâncias, isso signifique a distância espacial. Terceiro, na caridade fraterna que nos impele a não pensarmos só em nós (por exemplo: indo ao supermercado e comprando exageradamente suprimentos para dois ou três meses), mas na partilha, sobretudo com os mais pobres, e no serviço, sobretudo aos mais idosos. Quarto, na coragem profética em denunciar qualquer atentado àquilo que temos de mais precioso no mundo, pois criado à imagem e semelhança de Deus: a vida humana. Seminarista Vitor Lacerda



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